Seu nome, “bendito”, prenunciava uma vida feliz e
plena de realizações. Nascido no seio de uma família respeitada e de grande
projeção social e influência política na antiga Jerusalém, capital do Reino de
Judá, Baruque podia, de fato, ser considerado uma pessoa abençoada: recebera
estudos aprimorados, reservados aos filhos da nobreza, e tornara-se um escriba,
uma profissão muito respeitada e lucrativa naqueles tempos em que pouquíssimos
sabiam ler e escrever. Em suma, tinha conhecimentos, ascendência e relações
suficientes para galgar os mais altos postos do governo de Judá, tal qual seu
irmão Seraías, pessoa da máxima confiança do rei Zedequias (cf. Jeremias
51.59). Mas os tempos politicamente incertos e conturbados, e particularmente
sua amizade com um personagem bastante controvertido na época – o profeta
Jeremias –, mudaram radicalmente a história desse escriba.
Baruque é mencionado, pela primeira vez, em Jeremias 36. Ali se
diz que ele escreveu num rolo de papiro uma mensagem ditada pelo profeta e
depois a leu ao povo reunido no templo. Isso porque o próprio profeta estava
impedido de transmitir pessoalmente a mensagem. Essa mensagem causou um impacto
tão grande, que o texto foi confiscado pelas autoridades e o escriba
interrogado por altos funcionários da corte. O texto foi queimado pelo rei
ostensivamente no fogo, e Baruque foi aconselhado a esconder-se, juntamente com
o profeta Jeremias, porque haviam provocado a ira do rei. A influência do escriba
junto aos funcionários da corte certamente contribuiu, naquele momento, para
evitar que Jeremias fosse encontrado e morto.
Treze anos depois, quando Jeremias estava preso por causa de suas
profecias e o exército babilônico cercava a cidade de Jerusalém, o profeta
novamente chama Baruque e dá-lhe a incumbência de lavrar a escritura de um
campo que Jeremias adquirira de seu primo (Jeremias 32). A compra do campo
simbolizava, naquele momento em que tudo indicava que a cidade seria destruída
e o povo disperso, a esperança de uma vida nova e abençoada em Judá para a
época após a destruição de Jerusalém. Baruque ficou incumbido de guardar a
escritura como prova de que Deus proporcionaria dias melhores a seu povo no
futuro. Assim, o escriba torna-se o guardião da mensagem de esperança do
profeta.
Também por causa desse seu vínculo com Jeremias, um homem
perseguido e ameaçado, Baruque teve que abdicar de uma carreira promissora. Em
Jeremias 45, o escriba lamenta: “Ai de mim! Estou cansado do meu gemer e não
acho descanso” (v. 3). Também o profeta Jeremias não vê um futuro brilhante
para seu amigo ao vaticinar: “Diz o Senhor: A ti, porém, te darei a tua vida
como despojo onde quer que fores” (v. 5). Baruque somente conseguirá salvar sua
vida. Nada mais.
Depois da destruição de Jerusalém pelos babilônios, Jeremias e
Baruque são arrastados contra a sua vontade para o Egito. Nada sabemos sobre os
últimos dias de vida de Baruque. Presume-se, no entanto, que ele tenha sido
responsável por escrever grande parte do atual livro de Jeremias, em especial
as partes biográficas sobre o profeta. As anotações de Baruque sobre os
acontecimentos em torno da atuação do profeta representam seu maior legado.
Graças a esse “abençoado” escriba, sabemos preciosos detalhes da vida de um
profeta de Israel. Baruque desistiu de usar sua pena em seu próprio benefício
para preservar a mensagem e os momentos importantes da vida de um homem de
Deus.
Nelson Kilpp é especialista em Antigo Testamento,
obreiro da IECLB. Texto cedido pelo autor e publicado pela Revista Novo Olhar
nº 34. Editora Sinodal.
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