Esta eu ouvi de uma amiga. Ela
estava em uma reunião de mulheres da igreja quando chegou o pastor local para
fazer a saudação. Embora a maioria fosse mulheres – aliás, de homem só ele e
mais dois presbíteros –ele iniciou assim:
- “Meus irmãos, damos as boas
vindas a vocês neste encontro”. Prosseguiu, então, com a sua fala.
No final, ele disse: “Convido os irmãos a
ficarem de pé para fazermos uma oração”.
A amiga não aguentou e disse:
“Então nós mulheres estamos
dispensadas de ficar de pé, vamos permanecer sentadas”.
Este fato, que certamente causou
espanto e mal-estar, é bem mais frequente do que imaginamos.
Lembro que,no início da minha
atuação pastoral,algumas vezes fui questionada porque usava, na liturgia,“ela/ele”,
“todos e todas”. Alguém disse que era muito cansativo. Mas eu insistia em usar
uma linguagem inclusiva por entender que a linguagem, seja escrita ou falada, é
uma forma de expressar a nossa consciência e visão de mundo; através dela
também construímos a nossa realidade.
A linguagem inclusiva nem sempre
é utilizada em nossas comunidades e tampouco aparece nos documentos oficiais da
Igreja. Nos últimos tempos, até que temos dado mais atenção a esse aspecto, mas
ainda recebo comunicações e convites sem linguagem inclusiva. Ainda ouço
sermões em que pastores esquecem que a maioria das pessoas que estão sentadas
nos bancos da igreja é do sexo feminino, já que insistem em usar apenas formas no
masculino. Como se o “masculino representasse” toda a humanidade. O censo
mundial de 2010 revelou que, de um total de 6.895.889.000 de pessoas no mundo,
3.477.830.000 são homens e 3.418.059.000 são mulheres. Então, quando não usamos
a linguagem inclusiva, estamos, no mínimo, ignorando metade da população
mundial.
O não uso da linguagem inclusiva
aponta para os processos históricos de exclusão das mulheres. Trata-se de uma
linguagem sexista, pois ignora as mulheres e subordina o gênero feminino ao
masculino, tornando as mulheres invisíveis. Mesmo quando elas são maioria num
evento, usam-se, muitas vezes, exclusivamente formas do masculino para
identificar o público, tais como:“eles”,“todos”, “irmãos”, “os homens” e assim
por diante.
Mas não se trata apenas de usar
uma linguagem inclusiva. Como afirma a
teóloga luterana Marga Ströher:
“Mudar a linguagem não
transforma, automaticamente, a consciência e a mentalidade. A transformação não
deve ser apenas formal, ou seja, no uso de uma linguagem integradora ou
inclusiva, enquanto que a realidade de opressão continua sendo mantida. Mas a
transformação da realidade também inclui uma nova linguagem. Uma nova linguagem
não significa apenas feminizar a linguagem. A conotação sexista de uma palavra
ou linguagem não está no fato de ela ser masculina, mas na ideologia sexista
que ela carrega, na mensagem sexista que ela grava na consciência”. [1]
Por isto precisamos estender a
nossa linguagem inclusiva para todas as dimensões do nosso fazer teológico: a litúrgica,
a catequética e a diaconal. Comecemos
nos perguntando qual a imagem de Deus que estamos passando. O nosso falar sobre
Deus está assentado em nossos conceitos antropológicos, e esses conceitos estão
carregados de imagens masculinas. Deus é Pai, é o Todo Poderoso, é o Senhor dos
Exércitos, é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. São imagens aprendidas e mantidas
pela tradição patriarcal. É possível
falar em outras imagens de Deus? Não apenas com a intenção de fazer um
contraponto ao masculino, mas para mostrar que Deus pode ter outras faces. A teóloga Claudete Ulrich nos convida a
resgatar a tradição bíblica de Êxodo 3,onde Deus se apresenta como “Eu sou o
que sou”, um Deus que ouve os gritos e as dores do seu povo e desce para
libertá-lo e não se apresenta como um senhor distante dos problemas cotidianos”[2]. “Eu sou o que sou” é o Deus da dinâmica, do
movimento, o Deus da Ruach, o seja,
do Espírito feminino,não o Deus parado, fixo e enclausurado em conceitos
antropológicos.
O nosso grande pedagogo
brasileiro, Paulo Freire, disse, no livro Pedagogia
da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido, de 1992, disse: “A
recusa à ideologia machista, que implica necessariamente a recriação da
linguagem, faz parte do sonho possível em favor da mudança do mundo”. Sonhamos, trabalhamos e queremos contribuir
para que estas mudanças promovam a participação igualitária de homens e
mulheres, não só no âmbito da igreja, mas em todas as áreas do conhecimento e todas
as instâncias de decisão.
Que a Ruach sopre e nos inspire a promover mudanças na linguagem, na
liturgia, nos símbolos e nas imagens da nossa igreja, afim de que elas possamos
ter comunidades acolhedoras que promovam a inclusão de todos e todas na vivência
comunitária.
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