“Ah! Se conhecesses também tu, ainda hoje, o que serve para a paz” (Lc 19.42)
Há 50 anos, o presidente João Goulart foi deposto e instaurou-se uma ditadura no Brasil que durou 21
anos. Ao longo deste período, movimentos estudantis, de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, intelectuais e grupos religiosos lutaram arduamente pela democracia. Muitos foram assassinados, torturados, exilados e “desaparecidos”. São páginas ainda pouco esclarecidas de nossa história recente. O aprofundamento do direito à memória e à verdade é condição para a edificação da sociedade, pois garante que pessoas que sofreram violência por parte de agentes de Estado sejam reconhecidas como vítimas e suas histórias sejam resgatadas.
Grupos ligados às Igrejas, em conjunto com muitos movimentos da sociedade, foram imprescindíveis
para a superação deste período. Ressalta-se a mobilização para a denúncia e registro dos crimes de tortura que resultou no Projeto Brasil: Nunca Mais, protagonizado pelo
movimento ecumênico com o apoio do Conselho Mundial de Igrejas. O acervo foi recentemente repatriado e contribuirá para elucidar fatos e histórias esquecidas.
Apesar de todo o aparato político, econômico e religioso da ditadura que gerou repressões, censuras,
prisões, assassinatos, exílios políticos e sofrimentos foram dados passos significativos em direção à abertura
democrática. Conquistamos parcialmente a Anistia, inundamos as praças nas Diretas Já. O processo
constituinte foi iniciado, possibilitando que questões antigas fossem colocadas em debate como a Reforma
Agrária, os direitos sociais, os direitos humanos, a soberania nacional com a necessidade de uma auditoria da dívida externa e a ideia do controle social do Estado.
Os fatos por si confirmam que nossa democracia é limitada e inconclusa. A Reforma Agrária não foi
realizada de forma plena e efetiva, o fosso entre ricos e pobres é uma realidade em ascensão, assistimos a
vertiginoso enfraquecimento e criminalização dos movimentos sociais. Apesar de políticas públicas
importantes como a garantia de saúde e educação para todos, das políticas de cotas e das compensatórias, entre outras,
todavia percebe-se
um hiato grande quando estão colocadas na pauta questões para a
melhoria do bemcomum e as de interesse de grandes grupos econômicos. Os
interesses populares são relativizados quando os interesses de grandes grupos econômicos entram em cena.
As ameaças à democracia são constantes. Na América Latina, lembramos a deposição de presidentes
democraticamente eleitos, como no Paraguai e em Honduras. Recentemente, novas tentativas de deposição de líderes eleitos pelo povo têm acontecido em países vizinhos.
Nossas Igrejas e organismos ecumênicos têm um compromisso histórico com a democracia.
Por isso, reafirmamos o nosso compromisso
com os movimentos sociais que permanecem firmes no ideal
de uma sociedade com justiça que respeite e garanta os direitos humanos, culturais, sociais, econômicos e
ambientais. A luta por estes direitos demonstra a nossa opção preferencial pelas pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade. Por isso, nos sentimos desafiados a nos pronunciar sobre o atual momento pelo qual passa nosso país.
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